Mercados Tabajara

“Seus problemas se acabaram-se”! Era assim que as “Organizações Tabajara” anunciavam seus produtos no excelente programa de humor Casseta & Planeta, que esteve no ar por duas décadas, até 2010. Para dar ainda mais “credibilidade” à mercadoria, Seu Creysson, o garoto-propaganda, usava o bordão: “eu agarantio”.

Nos últimos meses, os mercados financeiros (tanto aqui, quanto lá fora) parecem ter assumido que os “problemas se acabaram-se”, com bolsas e criptos em máximas históricas, dólar em queda pelo mundo e por aí vai.

Para dar vida ao texto, listo abaixo alguns dos fatos que estão ocorrendo, para depois prosseguirmos.

Externos:

  1. Guerras no Oriente Médio se espalhando, com possíveis implicações altistas nos preços do petróleo/inflação;
  2. Conflito entre Rússia e Ucrânia se estende há mais de dois anos, sem sinais de encerramento;
  3. Imbróglio perigoso entre China e EUA em relação a Taiwan;
  4. OTAN eleva para 5% do PIB os gastos dos países-membros com defesa;
  5. Nível de alavancagem global em derivativos quase 7 vezes o PIB mundial;
  6. FED claudicante em sua política monetária;
  7. Trump chama o presidente do FED, Jerome Powell, de “mula teimosa” e afirma que antecipará seu sucessor, que deverá se comprometer a reduzir os juros (questiona-se, no caso, a independência do banco central);
  8. Endividamento dos EUA caminhando para 130% do PIB;
  9. Déficit americano escalando para 7% do PIB e crescendo;
  10. O “Grande e Lindo Projeto” fiscal de Trump implica em mais U$ 3 trilhões de déficit em uma década;
  11. PIB do 1º trimestre americano em queda de 0,5%, com indícios de recessão;
  12. Inflação mais próxima de 3% do que da meta de 2% por lá;
  13. Risco real de estagflação nos EUA em 2025/26;
  14. Dólar fraco e sendo questionado como moeda de reserva global;
  15. Treasuries perdendo o selo AAA das agências de rating;
  16. Taxas de hipotecas em 7% ao ano e mercado imobiliário excessivamente valorizado;
  17. Mercado de trabalho que tende a ser afetado pelas políticas migratórias de Trump e
  18. A cereja do bolo: guerra comercial imposta pela atual administração, com pesadas tarifas sobre o comércio internacional (medidas inflacionárias que ameaçam desmoronar a já frágil globalização), a ser resolvida em breve.

Domésticos:

  1. Crise fiscal severa há décadas, que só se agrava;
  2. Projeção de dívida/PIB caminhando, segundo o IFI (Congresso), para 100% em poucos anos;
  3. Regra fiscal (Arcabouço do Haddad) que não entrega o prometido déficit zero (aliás, precisaria ser superávit);
  4. IPCA com expectativas desancoradas, rodando um ponto percentual acima do teto da meta;
  5. Taxa Selic em 15%, a maior desde 2006, tornando a renda fixa quase imbatível;
  6. Governo sem base no Congresso, perdendo votações importantes, como a do IOF;
  7. Déficit nominal de 9% do PIB;
  8. Máquina pública com risco de “shutdown” em 2027, quiçá 2026;
  9. Chances ínfimas de retomarmos o grau de investimento;
  10. Investimentos diretos no país incapazes de financiar o déficit em transações correntes;
  11. Orçamento público com despesas crescendo quase o dobro da receita;
  12. 90% das despesas são obrigatórias, sem margem de manobra, dificultando a gestão do orçamento;
  13. Aumento real do salário-mínimo, que contamina os gastos com previdência e outras rubricas e
  14. Eleições se aproximando, com o país totalmente polarizado em um “nós contra eles” absolutamente improdutivo.

Diante de tantas incertezas, que embutem interrogações das mais variadas naturezas, como os mercados de risco podem desdenhar, galgando máximas históricas quase que diariamente?

Reparem que os fatores que elenquei (lá e aqui) não são suposições irreais. Não estou fazendo críticas, apenas constatações. Se os preços dos ativos estivessem “baratos”, até seria compreensível esse bom-humor. Todavia, não há como contestar que os valuations estejam em patamares mais do que adequados. Esse comportamento é racional? Ou estaríamos diante de uma nova exuberância, como a que Alan Greenspan alardeou no fim dos anos 1990, pouco antes do estouro das “pontocom”?

Por aqui, quero abrir parênteses: tenho lido que várias casas estrangeiras estão recomendando aumentar a exposição ao Brasil, que se encontraria barato, apostando numa mudança de política econômica com a provável — na visão delas! — derrota de Lula nas eleições de 2026. Que convicção é essa, com um ano e meio de antecedência, se nem o candidato para enfrentar o petista foi escolhido? Viraram Mãe Dinah? Vamos nos recordar de Ulisses Guimarães, que comparava política às nuvens; cada hora está de uma forma. É cedo para crer com tanta convicção nessa mudança, conquanto possível.

Encerro com a certeza de que Seu Creysson, inteligente como é, não “agarante” que esse movimento atual seja sustentável. Em minha visão, nossos problemas “não se acabaram-se”. Podem, inclusive, estar só “se iniciando-se”.

Lei Vampeta 2.0: Fingem Que Ajustam, Fingimos Que Acreditamos

No início dos anos 2000, o jogador Vampeta foi contratado pelo Flamengo. Naquela época, o clube enfrentava sérias dificuldades financeiras e, dentre outras coisas, atrasava o pagamento dos salários dos atletas. Numa entrevista, o meio-campista declarou abertamente: “Eles fingem que nos pagam e eu finjo que jogo.” A expressão ficou conhecida, popularmente, como “Lei Vampeta”.

Essa situação me remete ao que chamo de “Jogo do Contente”. Está ruim, mas as pessoas envolvidas na situação desconfortável, na hora da fotografia oficial, aparecem sorrindo, como se gostassem de ser enganadas. Em minha visão, hoje, no Brasil, vivemos uma variante desse “jogo”. Como assim?

Na entrevista concedida na noite de domingo passado, da qual participaram o ministro Haddad e os presidentes da Câmara e do Senado, para comentar sobre as medidas alternativas ao IOF, todos aparecem na foto como se o imbróglio tivesse sido resolvido. Substitui-se o IOF por taxação de LCI, LCA, uma Medida Provisória aqui, uma Fintech ali, uma Bet acolá, e vamos em frente. Ué, mas o Congresso não havia se manifestado enfaticamente contra mais impostos?

Sinceramente, creio que o país está cansado dos “puxadinhos” que nos são impostos com trocadilho). Pelo menos eu estou!

Já são décadas de “descaso” com a situação fiscal periclitante, sem ajuste via corte de gastos. Sempre as soluções recaem, majoritariamente, sobre receitas (tributos sobre a sociedade). Reformas duras sobre o setor público, críveis e perenes, mais parecem “sonhos de uma noite de verão”. Quem paga a conta, em geral, são os setores produtivos e o mercado financeiro.

Um ponto relevante é que somos um país que possui, historicamente, diminutas taxas de poupança e investimentos, essenciais para crescimento sustentado. Vamos tributar setores que estão inseridos no contexto? Ademais, vamos unificar as alíquotas, agora em 17,5%, desdenhando do prazo que incentivava as aplicações de mais longo prazo? Vamos elevar os impostos sobre ações, que são instrumentos essenciais para o processo de crescimento do país? É verdade esse bilhete?

O incrível é que esse mesmo mercado financeiro parece querer se iludir com essa situação esdrúxula. Apesar de tanta incerteza, abraçou a ideia de que a Medida Provisória não será aprovada, mas que teremos 120 dias (seu prazo de vigência) para o governo “dar um jeitinho” ou contar com a noventena do imposto sobre produtos outrora isentos. É como esperar que tirem um coelho da cartola para cobrir os desajustes e zerar o déficit. Se não der, “lá a gente vende”. Enquanto isso é “festa”, vamos operando e todos ficam… contentes!

Sinceramente, retirar ou reduzir o IOF e, substituí-lo por imposto de renda é como o alcoólatra mudar de uísque para vodca, ou vice-versa: ambos fazem mal para quem tem a doença. E a doença do Brasil é esse famigerado desajuste fiscal que nos atormenta há tempos e nos faz ter uma das maiores cargas tributárias do planeta.

Encerro lembrando que sou professor. Como será o futuro desta juventude, se nós consumimos (antecipadamente) o que, de direito, é deles? Na fotografia querem que eu também fique “contente” e saia sorrindo? Desculpem… Não consigo!

O PAÍS DA ENCRENCA

 

A frase do título é do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo o dicionário Aurélio, Encrenca significa “1. Coisa ou situação difícil, complicada, perigosa. 2. Briga, desordem, conflito. 3. Intriga, enredo”. Onde ele quis nos encaixar?

Na segunda semana de dezembro de 2023, quando a Way foi convidada por jornalistas a participar das projeções para o Ibovespa de 2024, lembro-me que um deles me perguntou se não havia me enganado. Os 134 mil pontos que estimara era somente 4% a mais do que o valor que o índice se encontrava naquele momento, quase no encerramento do ano. “Não é pouco, não?”, incomodou-se o jornalista. Segue reportagem recente do Valor Investe que mostra essa situação a que me referi: https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/bolsas-e-indices/noticia/2024/06/13/analistas-rebaixam-projecoes-para-o-ibovespa-bolsa-ainda-pode-subir-em-2024.ghtml.

Fazer projeções macroeconômicas, e sobretudo de variáveis mercado, é um desafio constante. Usamos econometria, muita estatística e alguns modelos de finanças consagrados. No final do texto vou deixar o link de um artigo, na minha coluna no Valor Investe, onde explico o modelo que adoto para projetar o Ibovespa e o porquê daqueles 134 mil pontos.

Esse 1º semestre de 2024 que está quase se encerrando foi péssimo para os ativos brasileiros. Quem apostou no país está encrencado!

Nossa moeda desaba 10% frente ao dólar e a curva de juros estressou como poucas vezes, com o rendimento real, aquele além do IPCA na NTN-B de 2045, atingindo quase 6,5%. Para completar o azedume, nossa bolsa apresentou o pior desempenho dentre os mais de vinte índices de ações que acompanho no mundo, com queda até aqui de mais de 10% (escrevo no dia 14 de junho, preços e estatísticas até essa data, ok?).

Todo esse comportamento adverso encontra motivos claros, que listo a seguir: 1) dúvidas sobre o quadro fiscal e o novo arcabouço; 2) dúvidas sobre o que esperar do novo banco central (BC), que emergirá após a saída de Roberto Campos Neto (RCN); 3) intensa saída de investidores estrangeiros da nossa bolsa (já são mais de U$ 8 bilhões de efluxo esse ano) e 4) política monetária americana menos favorável do que se imaginava lá atrás.

Sobre o novo arcabouço fiscal, que substituiu o “Teto dos Gastos “, o próprio governo o colocou em “xeque”, ao reduzir suas projeções e sinalizar contingenciamentos de despesas, que são pouco críveis. Nos últimos dias, o mercado passou a questionar, inclusive, se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não estaria sendo “fritado”, isolado dentro do próprio governo, lembrando a trajetória de Palocci, no Lula I, ou Levy, em Dilma.

Quanto ao BC, o PT vem bombardeando com frequência o presidente da instituição. Por exemplo, a presidente da sigla, a congressista Gleisi Hoffmann, afirma que RCN sabota o governo. Dessa forma, como ele vem promovendo um trabalho exitoso (ganhou o prêmio de melhor banqueiro central do ano), o mercado se inquieta e pergunta quem será o indicado por Lula para ocupar uma das mais importantes cadeiras da nação a partir de 2025.

Já no exterior, o FED não fará as seis ou sete reduções de juros que os analistas apostavam. Muitos investidores, que aqui estavam alocados, regressaram para surfar os juros que ficarão “higher for longer” por lá. A percepção é que será uma, ou no máximo duas reduções; e olhe lá!

Todavia, mesmo assim, as bolsas americanas apresentaram um comportamento extraordinário, com o Nasdaq em alta de 18% e o S&P 500 com 14%. Muito dessas altas foram puxadas por ações ligadas à inteligência artificial (IA), com destaque para Nvidia. As ações de empresa de chips já valem hoje mais do que o PIB da Alemanha e mais de duas vezes todo o valor das empresas negociadas na bolsa brasileira. Será que estamos diante de uma nova bolha no mercado acionário de lá, como no final do século XX? Para ficar no radar…

O fato é que o Brasil perdeu charme frente a um mundo mais dinâmico e competitivo. Discutimos “coisas menores”, como taxação de importados, impostos sobre heranças, compensações de PIS/COFINS, quase nada de cortes de gastos, enquanto o cenário econômico global está com IA e afins na cabeça, mesmo diante de um quadro geopolítico conturbado pelas diversas frentes de guerras em curso e das eleições americanas, que se aproximam.

Para encerrar, no segundo semestre enfrentaremos enormes desafios, especialmente porque as eleições municipais representam a antessala para 2026. Em outras palavras, a questão política vai dominar o dia a dia do país. Se ficarmos órfãos das âncoras fiscal e monetária teremos sérios problemas. Querendo ser otimista, contudo, se voltarmos a focar em uma situação fiscal mais equilibrada, sem surpresas, e equacionada a contento a nova diretoria do BC, creio que a poeira possa ir baixando gradativamente, o que levaria a alguma recuperação nos preços dos nossos ativos, que estão muito aviltados. Do contrário, seremos escanteados definitivamente do portfólio global e pagaremos com mais prêmio pelas nossas encrencas.

OBS: link para o texto mencionado acima.

https://valorinveste.globo.com/blogs/alexandre-espirito-santo/coluna/um-modelo-para-o-ibovespa.ghtml

Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Way Investimentos e prof. IBMEC-RJ

 

 

 

 

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