Mercados Tabajara
“Seus problemas se acabaram-se”! Era assim que as “Organizações Tabajara” anunciavam seus produtos no excelente programa de humor Casseta & Planeta, que esteve no ar por duas décadas, até 2010. Para dar ainda mais “credibilidade” à mercadoria, Seu Creysson, o garoto-propaganda, usava o bordão: “eu agarantio”.
Nos últimos meses, os mercados financeiros (tanto aqui, quanto lá fora) parecem ter assumido que os “problemas se acabaram-se”, com bolsas e criptos em máximas históricas, dólar em queda pelo mundo e por aí vai.
Para dar vida ao texto, listo abaixo alguns dos fatos que estão ocorrendo, para depois prosseguirmos.
Externos:
- Guerras no Oriente Médio se espalhando, com possíveis implicações altistas nos preços do petróleo/inflação;
- Conflito entre Rússia e Ucrânia se estende há mais de dois anos, sem sinais de encerramento;
- Imbróglio perigoso entre China e EUA em relação a Taiwan;
- OTAN eleva para 5% do PIB os gastos dos países-membros com defesa;
- Nível de alavancagem global em derivativos quase 7 vezes o PIB mundial;
- FED claudicante em sua política monetária;
- Trump chama o presidente do FED, Jerome Powell, de “mula teimosa” e afirma que antecipará seu sucessor, que deverá se comprometer a reduzir os juros (questiona-se, no caso, a independência do banco central);
- Endividamento dos EUA caminhando para 130% do PIB;
- Déficit americano escalando para 7% do PIB e crescendo;
- O “Grande e Lindo Projeto” fiscal de Trump implica em mais U$ 3 trilhões de déficit em uma década;
- PIB do 1º trimestre americano em queda de 0,5%, com indícios de recessão;
- Inflação mais próxima de 3% do que da meta de 2% por lá;
- Risco real de estagflação nos EUA em 2025/26;
- Dólar fraco e sendo questionado como moeda de reserva global;
- Treasuries perdendo o selo AAA das agências de rating;
- Taxas de hipotecas em 7% ao ano e mercado imobiliário excessivamente valorizado;
- Mercado de trabalho que tende a ser afetado pelas políticas migratórias de Trump e
- A cereja do bolo: guerra comercial imposta pela atual administração, com pesadas tarifas sobre o comércio internacional (medidas inflacionárias que ameaçam desmoronar a já frágil globalização), a ser resolvida em breve.
Domésticos:
- Crise fiscal severa há décadas, que só se agrava;
- Projeção de dívida/PIB caminhando, segundo o IFI (Congresso), para 100% em poucos anos;
- Regra fiscal (Arcabouço do Haddad) que não entrega o prometido déficit zero (aliás, precisaria ser superávit);
- IPCA com expectativas desancoradas, rodando um ponto percentual acima do teto da meta;
- Taxa Selic em 15%, a maior desde 2006, tornando a renda fixa quase imbatível;
- Governo sem base no Congresso, perdendo votações importantes, como a do IOF;
- Déficit nominal de 9% do PIB;
- Máquina pública com risco de “shutdown” em 2027, quiçá 2026;
- Chances ínfimas de retomarmos o grau de investimento;
- Investimentos diretos no país incapazes de financiar o déficit em transações correntes;
- Orçamento público com despesas crescendo quase o dobro da receita;
- 90% das despesas são obrigatórias, sem margem de manobra, dificultando a gestão do orçamento;
- Aumento real do salário-mínimo, que contamina os gastos com previdência e outras rubricas e
- Eleições se aproximando, com o país totalmente polarizado em um “nós contra eles” absolutamente improdutivo.
Diante de tantas incertezas, que embutem interrogações das mais variadas naturezas, como os mercados de risco podem desdenhar, galgando máximas históricas quase que diariamente?
Reparem que os fatores que elenquei (lá e aqui) não são suposições irreais. Não estou fazendo críticas, apenas constatações. Se os preços dos ativos estivessem “baratos”, até seria compreensível esse bom-humor. Todavia, não há como contestar que os valuations estejam em patamares mais do que adequados. Esse comportamento é racional? Ou estaríamos diante de uma nova exuberância, como a que Alan Greenspan alardeou no fim dos anos 1990, pouco antes do estouro das “pontocom”?
Por aqui, quero abrir parênteses: tenho lido que várias casas estrangeiras estão recomendando aumentar a exposição ao Brasil, que se encontraria barato, apostando numa mudança de política econômica com a provável — na visão delas! — derrota de Lula nas eleições de 2026. Que convicção é essa, com um ano e meio de antecedência, se nem o candidato para enfrentar o petista foi escolhido? Viraram Mãe Dinah? Vamos nos recordar de Ulisses Guimarães, que comparava política às nuvens; cada hora está de uma forma. É cedo para crer com tanta convicção nessa mudança, conquanto possível.
Encerro com a certeza de que Seu Creysson, inteligente como é, não “agarante” que esse movimento atual seja sustentável. Em minha visão, nossos problemas “não se acabaram-se”. Podem, inclusive, estar só “se iniciando-se”.